2013/06/22

... a dançarina

Ela era uma pessoa que me agradava pelas coisas que gostava. Somente. Afinal, era só isso que eu conhecia dela. Mas era justamente esse pacote todo de gostos que despertava um singelo desejo de passar um tempo com ela. Ficar com ela umas horas vendo os tantos filmes sobre os quais ela escreve. Nos intervalos, enquanto preparasse meu macarrão pra ela, ouviríamos os discos que ela tanto ouve.

Não sabia como ela funciona, não sabia se me adequaria as suas manias, não sabia se eu tinha sobre ela o mesmo poder que ela tinha sobre mim.

Não conversávamos muito, ela era uma antiga treta de um amigo meu. Portanto, eu me retinha em tentar algo por pensar que ele chiaria, mas, não, pelo contrário. Ele me deu seu aval (como se meu desejo fosse depender disso...) por acreditar que nos daríamos bem.

Eu interagia com ela, mas sem exagerar muito, sem acelerar as coisas, sem gritar “ô, olha eu aqui, goste de mim.” Tão lento fui que larguei mão.

Conheci uma garota incrível, que me curou de umas merdas que eu sentia. Eu queria construir algo com ela. Eu queria. Alguma coisa concreta, que equilibrasse nossas instabilidades.

Mas eu sempre fui daqueles que, quando enfim tinha algo, queria outra coisa.

A moça dos gostos estranhamente compatíveis com os meus começou a me cercar com palavras que, acredito, eram só comentários dispersos sem intenções direcionadas a mim. Com certeza, ela não tivera a intenção de me chamar dizendo tais coisas sobre determinadas coisas. Mas, então, aderi ao hábito de relacioná-la a certo disco de um cara da terra do São Patrício.

Eis que então o tal irlandês anunciou show em São Paulo. Obviamente, lembrei diretamente dela. Puxei conversa sobre o tal evento e ela se empolgou com a ideia de uma viagem. Eu tentei não me iludir, pois é bastante normal as pessoas se mostrarem dispostas quando é anunciada uma apresentação internacional qualquer. Porém, no dia seguinte, ela veio falando que conseguiria umas passagens de avião mais baratas:

- Eu tenho um monte de milhas acumuladas.

- Daria pra quantas passagens?
- Duas idas e duas voltas.
- Pra nós dois?
- Seria muito estranho viajarmos sozinhos, só nós dois?
- Acho que não.
- Mas você tem namorada, não tem?
- Sei lá, é complicado...
- Cê acha que ela liga?
- Acho que não, e o teu namorado?
- Enfim, tenho que ver com duas amigas minhas se elas vão, porque se elas forem nem rola essa parada de avião.

Dois maltrapilhos, largados, sozinhos, matando tempo até a hora do show. Conversando. Parecíamos Celine e Jesse. Só que ao invés de Áustria, França ou Grécia, era São Paulo.
E ela era adorável. Não a cidade. Ela. Fora o fato de conhecer mais filmes favoritos em comum, ela me jogava na cara motivos para... Je nes sais pas.
Não queria agir como se estivesse flertando, a fim de coito ou querendo qualquer outro tipo de “segunda intenção”, até porque eu não sei flertar. Estava sendo eu mesmo. Escarrado, escancarado, largado, grosseiramente carinhoso, carinhosamente grosseiro, torto, apaixonanteado, tímido, falante...
Passamos em frente a um cinema de rua e xingamos nossa cidade por não ter desses - que não fossem pornôs. Empolgava-me demais pra falar sobre cinema. O problema é que não conseguia dissertar claramente para traduzir meus sentimentos por um filme:
- ... Cê nunca assistiu? Nossa... Esse filme é.... Killer Joe! Puta que o pariu... – movimentava meus braços num gesto de expressar grandeza. - Ah, é demais...
Ela sorria belamente, mas entendia nada. Sabia, porém, desde o começo, que eu amava falar sobre isso. Ela também:
- O Annie Hall é legal, porque o noivo... Ele é todo ferrado e infeliz... Pessimista, desgraçado, irônico... Gosto desses filmes sinceros.
- Não há filme mais sincero que "Blue Valentine".
- Ai, muito amor por esse. Mas por que é o mais sincero?
- Por que mostra um relacionamento de um jeito muito verdadeiro. Desde o começo fofo até o desfecho trágico em que os dois não se aguentam mais. Amor, casamento, enfim, relacionamento é isso. Blue Valentine é perfeitamente sincero.
- Closer entra nessa lista?
- Ó, estranha... Closer tem uma pira diferente, é mais tipo novela com uma sinceridade afiada e bonita.
- Falando em Closer, acho que já tá na hora...

Durante uma das músicas bastante esperada por nós dois, percebi um suspiro vindo do meu lado esquerdo. Quando olhei, ela estava secando uma lágrima que escorrera. O lugar estava tão abafado, que embaçava seus óculos de hastes vermelhas. A canção terminou, olhei pra ela, peguei os óculos e limpei as lentes com minha própria camiseta. Ela sorriu toda tímida e desconcertada. Agradeceu.
O show terminou. Encaramo-nos completamente empolgados pela alegria de ter presenciado tal ato. Olhamo-nos com cara de “E agora?”.
Em momento algum, foi minha intenção dar em cima dela. Não que eu não estivesse a fim dela. Pois, sim, desde quando a conheci. Ainda era cedo. Digo, cedo para pegarmos nosso voo. Preferimos ir ao aeroporto para matar tempo do que de ficar vagando pela cidade escura enquanto a hora do avião estava distante.
Havia um ponto de táxi perto do bar, d’outro lado da via. Quando fomos cruzar a rua, ela pegou no meu braço. Durante toda a travessia, ela deixou-se ser guiada por mim, como se eu soubesse aonde - figurativamente - deveríamos ir. Senti seu dedão acariciando minha pele, subindo e descendo, leve e disfarçadamente. Porém, eu senti. Não só o carinho. Parecia que ela queria que eu a levasse... Wherever... Parecia que ela pensava que eu sabia onde estávamos indo. Eu apenas sabia que meu coração pulsava escandalosamente.

E esse foi apenas o fim do meu desejo retido. Explodiu.

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